terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Os dilemas da gráfica na hora de diversificar



Mui­tas gráficas, no desenvolvimento de seus ne­gó­cios, se deparam com oportunidades co­mer­ciais na oferta de produtos que não são os de sua produção ­usual. Um impressor es­pe­cia­li­za­do em ma­te­rial pro­mo­cio­nal, por exemplo, pode per­fei­ta­men­te começar a fornecer embalagens para um mesmo grupo de clien­tes ou novos clien­tes po­ten­ciais. Da mesma forma, um impressor de ma­te­rial edi­to­rial como revistas pode vir a desenvolver uma linha de impressos pro­mo­cio­nais. Nada fora do comum.
Na rea­li­da­de, para as empresas de menor porte, a diversidade de produção é quase uma regra no seu dia a dia. “Fazemos o que vendemos”, é o que dizem vá­rios gráficos.
A questão se torna mais aguda, no entanto, em ou­tras cir­cuns­tân­cias, principalmente quando a empresa decide estrategicamente pelo desenvolvimento de uma nova linha de produtos para apro­vei­tar oportunidades comerciais latentes e am­pliar sua oferta aos clien­tes ou até mesmo para sobreviver. Isso acontece, por exemplo, com empresas dependentes de mercados em declínio, como o de notas fis­cais. Aí a diversificação é inevitável.
A partir do momento em que novos produtos são desenvolvidos e investimentos são fei­tos, se não hou­ver um planejamento adequado, o que parecia uma oportunidade ou uma salvação pode se tornar um pesadelo. A decisão de como fazer é estratégica, em es­pe­cial no momento ­atual, no qual as mudanças pró­prias do mercado já são um desafio para as gráficas como um todo.
Esse artigo procura, calcado na nossa ex­pe­riên­cia e na observação de vá­rias empresas, mostrar alguns caminhos que podem ajudar os que se deparam com esse dilema. Diversificar sim, mas como fazê-lo corretamente?

Especialização = redução de custos


Ini­cial­men­te consideremos uma máxima em termos de produção: a es­pe­cia­li­za­ção reduz custos. Quan­to mais es­pe­cia­li­za­da a unidade de produção, mais efi­cien­te ela tenderá a ser. Isso é verdade, mesmo com a aplicação das técnicas do lean manufacturing, ou produção enxuta, como o consagrado modelo da Toyota. A produção enxuta permite a flexibilização das linhas dentro do modelo de custos da es­pe­cia­li­za­ção. Ainda assim, é ba­sea­da nas chamadas plataformas, onde o chassi dos carros é uniforme, va­rian­do o modelo que será colocado sobre essa mesma base.
Analogamente, em uma produção gráfica, a es­pe­cia­li­za­ção é uma vantagem de custo, ain­da que possa apresentar va­ria­ções de tipos de trabalho. Por isso, ao se tornar es­pe­cia­lis­ta na produção de embalagens, uma gráfica tende a es­pe­cia­li­zar suas linhas com equipamentos e ma­te­riais pró­prios para essa produção. Outros tipos de serviço, apesar de poderem ser produzidos, não terão, sem dúvida, a mesma efi­ciên­cia e vantagem de custos. Seguindo mais adian­te, dentro da produção de embalagens há ou­tras es­pe­cia­li­za­ções, como a produção de cartuchos para la­bo­ra­tó­rios far­ma­cêu­ti­cos, de cosméticos ou os micro-​­ondulados para ma­te­riais mais pesados ou alimentos congelados. Cada uma delas exige conhecimentos e equipamentos específicos.
Sendo assim, o ­ideal em termos de novos produtos é a cria­ção de unidades distintas de produção, se não fisicamente separadas, pelo menos com linhas de produção di­fe­ren­cia­das. A organização da produção em si não chega a ser o ­maior problema enfrentado na diversificação, mesmo que envolva erros frequentes. É comum, por exemplo, termos uma impressora offset va­rian­do o tempo todo entre a produção de pa­péis e cartões, exigindo ajustes mais demorados e perdas de tempo e efi­ciên­cia.
As maio­res questões, no entanto, envolvem a área co­mer­cial, pois, mui­tas vezes, a venda de novos produtos implica em novos contatos e formas di­fe­ren­cia­das de abordagem do clien­te. Vender ma­te­rial pro­mo­cio­nal não é a mesma coi­sa que vender embalagens ou revistas. Vender embalagens fle­xí­veis, por exemplo, obriga ao envolvimento das ­­áreas de projeto e engenharia dos clien­tes no processo, algo que uma venda de for­mu­lá­rios não exige.
Reside aqui o ­maior equívoco das gráficas. Elas procuram fazer com que suas equipes co­mer­ciais passem a oferecer os novos produtos, uma vez que têm contato com clien­tes que, even­tual­men­te, compram ambos. Em geral, tal política tende a fracassar. Mui­tas vezes, os contatos dentro da empresa são em ­­áreas diversas e a forma de abordagem e venda também são distintas.
Não é porque um vendedor se sai bem no trato com o departamento de compras e na área fiscal do clien­te que ele terá desempenho semelhante nos setores de projeto e engenharia.

Conhecimento específico

Novos produtos e linhas de produção implicam também conhecimentos pró­prios do mercado. Mui­tas vezes é necessário estabelecer equipes de venda es­pe­cia­li­za­das para que se possa alcançar os resultados desejados. Separar as equipes por es­pe­cia­li­za­ção, perfil de vendedor e abordagem adequada de venda traz as melhores respostas. Um vendedor que tenha bons contatos em um clien­te pode abrir portas para ou­tro vendedor especializa­do em uma área que não seja do seu domínio ou, pelo menos, para uma equipe de suporte que possa desenvolver projetos que não são sua es­pe­cia­li­da­de.
Esse é um assunto delicado e de difícil definição nas empresas. Tomemos como exemplo a cria­ção de uma linha de produção calcada na impressão digital. Na maio­ria dos casos, isso demanda uma venda consultiva para au­xi­liar o clien­te em suas necessidades. Nem sempre esse clien­te tem o conhecimento necessário para utilizar da melhor ma­nei­ra os produtos impressos digitalmente.
Para isso, impõe-se uma venda que procura estimular e gerar demanda através da detecção das ­reais necessidades e do desenvolvimento de projetos que nem sempre são comprados da forma tra­di­cio­nal, ou seja, através da área de compras e com licitação entre os fornecedores ha­bi­tuais.
Nossa ex­pe­riên­cia mostra que, das equipes co­mer­ciais tra­di­cio­nais, não mais do que 10% dos pro­fis­sio­nais se en­cai­xam no perfil adequado para esse tipo de venda. Nesses casos, optamos por dois caminhos: ou se constrói gra­dual­men­te uma nova equipe, tendo como foco o conhecimento do negócio do clien­te, ou se decide por uma pequena equipe interna, es­pe­cia­li­za­da nesse tipo de desenvolvimento, capaz de dar suporte à equipe comercial, que fica com a função de abrir portas enquanto a equipe de desenvolvimento trata de estimular e ­criar os projetos nos clien­tes. Há aí a necessidade de revisão da forma de remuneração dos vendedores, va­rian­do entre somente a indicação, real participação nos projetos e/ou fechamento do negócio.
Vá­rias grandes empresas são diversificadas, como a RR Donnelley (www.donnelley.com), Quad­Graphics (www.qg.com) — que no Brasil tem participação na Gráfica Plural —, Transcontinental (www.transcontinental.com) e Westvaco (www.meadwestvaco.com) – que também é dona da Rigesa e, no Brasil, da Tilibra. Essas, entre ou­tras, têm uma incrível amplitude de oferta e um portfólio de empresa es­pe­cia­li­za­da em diversos produtos e tipos de fabricação, com produções e vendas específicas. A estratégia é fornecer soluções completas aos clien­tes globalmente. Não há com­pa­nhias na­cio­nais com essa amplitude, exceto as que participam desses ou de ou­tros grupos in­ter­na­cio­nais. Quem mais recentemente vem buscando consolidações de ne­gó­cios que am­pliem sua gama de ofertas é, por exemplo, a Log&Print (www.logprint.com.br), através da aquisição da Totalprint e da Tecni­có­pias.
Vale aqui uma consideração importante com relação à construção de capacitações através de plataformas ope­ra­cio­nais integradas. Isso significa a construção de fluxos de trabalho com funções distintas, visando dar suporte e ­criar soluções para os clien­tes, sejam atividades re­la­cio­na­das a bases de dados, cria­ção ou projetos gráficos completos, sejam ações re­la­cio­na­das à logística. Esse formato vale mui­to, es­pe­cial­men­te para aquelas empresas que estão investindo em impressão digital, mesclando processos de produção e diversificando. A cria­ção de plataformas ope­ra­cio­nais e o desenvolvimento de fluxos de trabalho com soluções específicas são de fundamental importância, o que mostra como a TI es­pe­cia­li­za­da ganha cada vez mais relevância no crescimento e desenvolvimento de ofertas completas por parte das gráficas.
Em suma, decidida a diversificação, sugerimos algumas regras básicas:

Linhas de produção específicas e es­pe­cia­li­za­das, pre­fe­ren­cial­men­te em am­bien­tes pró­prios, distintos da produção ­atual.
Manter na produção somente as linhas even­tual­men­te complementares com fluxo de trabalho integrado, buscando a efi­ciên­cia ope­ra­cio­nal.
Estruturação da área de vendas com es­pe­cia­li­za­ções nas diversas linhas de produtos, mantendo sinergia entre as equipes na abertura de oportunidades nos clien­tes.
Participação de uma equipe de suporte no desenvolvimento de projetos nas ne­go­cia­ções que exigem um estilo de venda distinto do tra­di­cio­nal.
Levar aos clien­tes ofertas integradas por meio de plataformas que permitam acessar os diversos produtos e serviços, propondo, se possível, soluções de ponta a ponta, da cria­ção à logística.
Definição clara das lideranças e responsabilidades no novo projeto.
Esse último tópico é fundamental. A diversificação exige capacitação ge­ren­cial. Novas fábricas, unidades de ne­gó­cios e equipes impõem capacitação e a formação de pes­soal dentro da cultura da empresa. Essa é uma questão complexa, em es­pe­cial para gráficas cuja base ge­ren­cial é fa­mi­liar e que podem não ter a geração adequada de novas lideranças.
Diversificar poderá exigir pro­fis­sio­na­li­za­ção. Pro­fis­sio­na­li­zar requer preparação das ge­rên­cias ­atuais e futuras. Isso pode fazer toda a diferença entre sucesso e fracasso.

Hamilton Terni Costa, ex-presidente da ABTG e um dos fundadores da revista Tecnologia Gráfica, é diretor geral da ANconsulting, consultoria voltada para o desenvolvimento de projetos estratégicos para empresas que buscam inovação de valor e crescimento com lucratividade, com clientes no Brasil, América Latina e Estados Unidos. É também um dos coordenadores do curso de pós-graduação em Gestão Inovadora da Empresa Gráfica, na Faculdade Senai de Tecnologia Gráfica, no qual ministra a disciplina Gestão Estratégica.

Escrito por Hamilton Terni Costa

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